Zé das Cabras
A Discussão no Monte do Zé das Cabras

No pequeno monte onde só se ouvia o balir das cabras e o cantar dos grilos, o silêncio foi interrompido por uma acesa discussão. Dona Elvira, com a foice na mão e um avental sujo de terra, vinha em passo acelerado em direção ao terreno do vizinho, o Senhor Aurélio.
— Oh Aurélio, mas o que é isto que estou a ver? Estás a enterrar estacas no meio do teu terreno? Desde quando é que se constroem casas em terra de batatas!?
— Desde que saiu a nova lei, minha cara vizinha! Agora o terreno é meu, e posso fazer aqui a casa que bem me apetecer. A Câmara até aprovou o meu projeto! Vou construir uma vivenda com piscina e, se tudo correr bem, ainda faço um anexo para arrendar no verão!
Dona Elvira (esbugalhando os olhos):
— Vivenda?! Piscina?! Mas tu perdeste o juízo, homem! E as minhas galinhas? Onde é que elas vão ciscar agora, hein? Já te disse que este vento de sul vai trazer todo o pó da tua obra para os meus canteiros!
— Ora, não sejas exagerada! Ainda vais gostar de vir aqui nadar na piscina no verão. Além disso, eu também tenho direitos. E quem sabe? Com o turismo a crescer, o monte até pode valorizar!
Dona Elvira (indignada):
— Valorizo é o meu silêncio e a paz! Já basta as tuas cabras invadirem o meu quintal, e agora queres trazer obras, betoneiras e gente estranha para aqui?!
Nesse momento, o Senhor Manuel, dono da taberna local, passava com o trator e decidiu intervir.
— Calma, calma, vizinhos! Já estão a fazer barulho suficiente para assustar os coelhos da serra. Aurélio, tens a certeza que podes mesmo construir aqui? Sabes que se a obra não cumprir o prazo, vais ter que deitar tudo abaixo, não sabes?
Senhor Aurélio (com ar hesitante):
— Isso… isso é só se eu não cumprir, mas vai correr tudo bem!
Dona Elvira (cruzando os braços):
— E quando começares a furar para a piscina, vais descobrir que este terreno está cheio de pedras! Vais gastar mais dinheiro a tirá-las do que a construir a casa. Isso se não deres com a nascente da mina e inundares tudo!
Senhor Aurélio (rindo nervosamente):
— Eh… isso são só histórias antigas. Este terreno é sólido como um rochedo.
Senhor Manuel:
— Rochas, sim. Da última vez que alguém tentou cavar aqui, o trator ficou preso por três dias!
A discussão foi interrompida pela chegada de Dona Amélia, a mais velha da aldeia, que vinha apoiada na sua bengala.
— Ouçam-me bem, seus teimosos. Já andei a viver tempo suficiente para ver gente a cavar, construir e depois abandonar. Este monte é terra de trabalho, não de mansões! Aurélio, pensa bem antes de trazer o "progresso". E Elvira, tu também, dá-lhe um pouco de espaço.
O silêncio voltou por alguns segundos, até que
Dona Elvira murmurou:
— Mansões ou não, se este pómeiro secar por causa das tuas obras, Aurélio, vais comer maçãs de plástico o resto da tua vida!
Senhor Aurélio:
— Está bem, está bem! Eu depois convido todos para um churrasco, com maçãs assadas e tudo.
Apesar da tensão, a aldeia ficou curiosa para ver como essa "mansão" acabaria por nascer – ou não – no meio do antigo terreno rústico. E assim, o Monte do Zé das Cabras entrou na história como o palco das primeiras consequências da nova lei.