Entre Cães Fiéis e Gatos Oportunistas

Ontem fui passear a Anita, e cruzei-me com uma senhora que já me era familiar.
Bom dia! Tudo bem?
E uns metros de conversa e eu, meio confuso da memória, arrisco:
— Acho que já falei consigo noutro dia… disse-me que era veterinária, não?
Ela corrige, séria mas com um sorriso:
— Não, sou psicóloga.
Há peço desculpa!
E a conversa seguiu, leve, até que surge um cãozinho só com três patas, simpático e atrevido.
Eu conhecia-o de vista, logo aparece o dono com mais dois cães, dá bom dia e segue.
Eu, espantado, pergunto à senhora:
— Então o homem vai embora deixa o cão aqui?
E ela, muito tranquila:
— Ah, ele gosta mais de mim! Depois levo-o no carro para casa dele.
E até acrescentou:
— Eu gosto muito dos cãezinhos, são os melhores amigos, sempre fiéis.
Foi aqui que a minha veia analítica se manifestou. Não resisti:
— É verdade, mas olhe… a fidelidade dos cães é até certo ponto.
Se o dono os tratar mal e o vizinho lhes der comida e carinho, eles mudam de dono.
Continuam a lembrar-se do primeiro, mas são mais fiéis ao segundo.
Eis que a senhora, sem pestanejar, dispara:
— Isso reflete-se mais nos gatos.
Pronto. Eu fiquei meio tonto.
Não por causa da resposta em si, mas porque tinha ali, diante de nós, a prova viva: um cão que já tinha escolhido a aquela senhora em vez do dono!
Moral da história?
Talvez os cães não sejam assim tão diferentes de nós.
A fidelidade existe, sim, mas também precisa de comida, carinho e reconhecimento.
Se calhar, no fundo, somos todos um bocadinho gatos disfarçados de cães.
Se Freud tivesse um Golden Retriever, talvez nunca precisasse de divã — afinal, ele teria percebido que todo trauma complexo se resolve com um biscoito e um carinho na barriga :)